segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Crítica - 6


O que posso dizer da película "argentina" de Coppola, apresentada no último Festival de Cannes? Que é praticamente horrível? Que desde há muito não via algo tão mau num écran de cinema? Ambas seriam apreciações demasiado superficiais, sínteses algo simplificadoras das desagradáveis sensações que deixaram no meu corpo, no meu cérebro, na minha sensibilidade e - mesmo desejando que não houvesse chegado até aí, posso receá-lo - no meu já suficientemente açoitado inconsciente, as duas horas de sacrificada ingestão deste pudim indigesto chamado Tetro. Estava ansioso por ver o filme, reconheço. Tanto mais que criado por um realizador que admiro desde há muito e que agora decide ter como cenário um país tão estonteante e complexo. Mas vamos já já ao que interessa. Para que não pensem que sou assim tão negativo, tentarei salvar alguma coisa deste titânico naufrágio. Aqui vai pois uma pequena lista de salvados:
1) O jovem actor de nome impronunciável: Alden Ehrenreich. Quase um clone de Leonardo DiCaprio, conserva uma ambígua e terna ingenuidade infantil, actua com elegante naturalidade, apesar do estranho enxame de desengonçados que o rodeiam durante todo a longa, inacabável, metragem do filme.
2) A fotografia a preto e branco: clássica nos seus claros/escuros, sempre expressiva, por momentos magnífica.
3) A música, tão bela como redundante, misturando sons reconhecíveis do tango e o folclore argentino. Em muitos momentos é utilizada para destacar situações supérfluas que, supostamente, deveriam dotar o filme desse carácter porteño que Coppola encontra na rádio Colifata - é-lhe dedicada uma longa sequência quase documental dentro do filme- ou no mate amargo que a fotogénica e sempre algo distante Maribel Verdú oferece ao seu jovem cunhado.
Haveria que resgatar algo mais? Talvez o rostro impenetrável, cinematograficamente imprescindível, de Vincent Gallo. É melhor esquecer a patética aparição de Carmen Maura, num arremedo exasperante, óculos com armação de massa branca pelo meio, da escritora Victoria Ocampo. Como teria sido este personagem interpretado por Javier Bardem? Cego, talvez?
Mais perguntas: o que pretendeu Coppola com este, segundo ele, seu filme mais pessoal? Fartar-se para sempre? Visitar essa Argentina decadente, acelerada, superficial, orgiástica, soberbamente felliniana? Tudo faz crer que nunca recuperou o guião que lhe furtaram da sua casa do bairro de Palermo. E, com a produção já em marcha, teve que inventar este montão de absurdos enredos familiares no mais puro estilo Soap, à medida que ia filmando. É triste observar como o criador de O padrinho e One from the heart, o homem bigger than life, que arriscou várias vezes a sua fortuna pessoal para fazer o cinema que desejava fazer, se vende agora por um simples prato de lentilhas ao falso luxo de Swarovski, rapina nos coutos privados de outros realizadores - o último Leonardo Favio, Wong Kar Wai e Almodóvar entre os mais notáveis - e passeia-se com um olhar irónico e superficial pelas vastas pampas argentinas. Pouco mais que um cenário onde ele e a sua filha se fazem retratar para poderem vender-nos, também, as icónicas maletas de monsieur Louis Vuitton.

2 comentários :

  1. É engraçado que num comentário tão mordaz e desiludido só apareçam as coisas boas do filme. parece-me um odio mal fundamentado ou mesmo infundado pois só vejo adjectivos e nenhuma "desagradavel sensação" tao bem descrita como os salvadores.
    Não concordo nada com a pressuposta atitude comercial do coppola. destes ultimos dois filmes ele chega a dizer... " e há um produtor tolo que financia os meus filmes... eu próprio"
    Portanto não me parece que haja qualquer intenção de vender. e quando se faz algo assim, há muita gente que não gosta.

    Sara

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  2. Cara Sara, é fundamental não confundir o normal exercício da crítica com um "ódio mal fundamentado". Sabe que mais? Se abanar a cabeça para a frente a um morto dirá sempre que sim. Bom Natal.

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