quarta-feira, 20 de maio de 2009

Crítica - 1


"Blow up - História de um Fotógrafo", de Michelangelo Antonioni; (1966, 111 mins)

Produção Bridge Films/MGM;
Argumento: M. Antonioni e Tonino Guerra, a partir do conto Las Babas del Diablo, de Julio Cortázar;
Música: Herbie Hancock; Com David Hemmings,
Com: Sarah Miles, Vanessa Redgrave, Peter Bowles, John Castle, Jane Birkin e o grupo The Yardbirds.


O Cineclube da Guarda apresentou ontem, no Auditório do IPJ, um dos filmes míticos de Antonioni. A Swinging London dos meados de 60 seria o último local expectável para uma obra sobre a natureza da imagem fotográfica ou da percepção visual. Todavia, o realizador italiano escolheu Londres - cujo estilo de época foi definido em grande parte pela animação de Carnaby Street - como o local mais apropriado para um filme que poria para sempre em questão a certeza do olhar e da memória. Ao mesmo tempo que retratou, com distanciamento q.b., a pose nonchalance normalmente associada àquela década. É ponto assente que Blow up é um filme cujo impacto se prolongou até hoje. E não só pela ousadia de algumas sequências. O realizador parece ter levado à letra o célebre Princípio da Incerteza, de Heisenberg, segundo o qual todo o acontecimento observado é alterado pela simples presença do observador. Se houvesse uma ideia central, uma matriz, em Blow Up, seria esta: a observação não é nunca um processo neutro ou abstracto, pelo que nenhum fenómeno é intrinsecamente puro. Especialmente quando as emoções são chamadas a intervir, como a culpa, a obsessão, ou o medo.
O filme apresenta-nos o mundo da moda londrina da altura, centrado num fotógrafo de topo, Thomas, (David Hemmings). Numa época em que a associação fotógrafo/modelo se tornou um motivo de culto, associado à pop art a à cultura de massas. Não é por nada que a estilização cruel e a ambiência jazzy de determinados planos evoca La Dolce Vita (1960), de Fellini. Numa das suas deambulações fotográficas, Thomas regista algumas imagens de um casal de namorados, num parque londrino. Entretanto, através da manipulação das fotografias, apercebe-se que, de facto, teria fotografado um assassínio. O significado do título (ampliação fotográfica) torna-se claro, à medida que Thomas repetidamente aumenta, examina e retoca os negativos, até obter as provas do hipotético crime. Evidências que se tornam, à medida que cresce a sua obsessão, cada vez mais obscuras. Ao contrário de um thriller convencional, o filme não oferece uma solução confortável ou apropriada. A suprema ambiguidade da sequência final, junto ao campo de ténis, já faz parte da história do cinema. O espectador nunca saberá, nem Thomas o poderá afirmar, se realmente houve um crime, ou se tudo não foi o produto febril de um tempo, numa grande cidade. Talvez seja mesmo a opção aqui reiterada de Antonioni pela narrativa aberta o que torna este filme tão resistente ao tempo. E porque em nenhum outro provavelmente captou com tal mestria a estranheza no coração da própria realidade.

António Godinho, no "Boca de Incêndio", 30.11.20.2007

Nota: com este texto, dá-se início à divulgação de críticas efectuadas a filmes exibidos pelo Cineclube.

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