quarta-feira, 20 de maio de 2009

Crítica - 2

“Fay Grim” (2006)
Argumento e realização: Hal Hartley
Duração: 118 m
Apresentação: Cineclube da Guarda
Pequeno Auditório do TMG, 14 de Janeiro

Desde que assisti a “Uma Questão de Confiança” (1990), a segunda longa-metragem de Hartley, percebi que estava na presença de um dos realizadores mais interessantes do cinema independente americano. O filme em análise é basicamente uma comédia de acasos, no tom desconcertante a que o autor habituou o seu público. Desta vez alcança um pendor político, satirizando os filmes de espionagem. Neste sentido, observa uma regra de ouro do género, isto é, deve-se dar importância a tudo, porque tudo pode e deve ser decifrado. A obra constitui a continuação de uma comédia anterior, “As Confissões de Henry Fool” (1997), que consagrou o autor no panorama do cinema alternativo. Porém, inicia uma história independente que apenas faz alusão ao passado das personagens no anterior filme. Em Fay Grim, Hartley é também autor do argumento e da banda sonora – omnipresente ao longo do filme, de tal forma que parece ser mais um personagem. Em relação à linguagem, permanece como uma espécie de neo-godardiano, sobretudo nos diálogos. E utiliza, de forma quase exclusiva, as tomadas pelo chamado ângulo oblíquo, que dá uma maior amplitude à fotografia. Observem-se, por exemplo, as cenas de aeroporto e a da saída das personagens do Ministério do Interior, em Paris. Mas é também aqui que o estilo de Hartley se revela inconfundível: uma história entrelaçada com várias outras, personagens nervosas e que falam muito rapidamente, muita coisa a acontecer em simultâneo. Com a utilização de um humor muito inteligente e um constante tom irónico, o filme troça dos filmes de espionagem e conspiração internacional a que estamos habituados no cinema americano, num ritmo da realização estonteante. Peca pela sua duração (quase 2 horas), porque muito do que foi dito e feito podia ter sido tratado em menos tempo. A história é a de Fay Grim (Parker Posey), mãe solteira, de Queens, Nova York. Preocupada com a educação do filho, Ned Grim (Liam Aiken), de 14 anos, Fay acredita que o desaparecimento do pai, Henry Fool (Thomas Jay Ryan), após ter cometido um assassínio, pode influenciar o filho no sentido da marginalidade. No seu lugar quer ver o seu irmão, Simon Grim (James Urbanak), poeta prestigiado. Só que este encontra-se a cumprir pena, por haver auxiliado a fuga de Fool. Ned, por sua vez, acaba de ser expulso da escola, por ter mostrado aos colegas um brinquedo (do tipo caleidoscópio), com imagens pornográficas. Ao voltar a casa, Fay é interpelada por dois agentes da CIA, que a aguardavam. Um deles, Fulbright, diz que os cadernos manuscritos deixados por Fool, em poder do governo francês, continham segredos de Estado codificados, que lhe pedem para resgatar. Fay concorda, desde que a CIA liberte o seu irmão, para cuidar do filho. Ao ser solto, porém, Simon verifica que, por trás das figuras mostradas no brinquedo de Ned, havia uma inscrição, num idioma desconhecido. E começa aqui a saga, com encontros e enigmas apropriados ao género. À medida que a trama se desenrola, Fay avança em busca dos tais cadernos, mas compreende que jamais soubera nada sobre a vida que levava Henry Fool. Por sua vez o espectador percebe aos poucos que o perfil que se vai desenhando deste, pelos extraordinários comentários que se ouvem dele, cada vez mais o aproximam, em semelhança de atitude, de Robert Baert, ex-agente da CIA, protagonista de “Syriana”, de Stephen Gaghen, um dos melhores filmes políticos americanos mais recentes. Os actores são quase todos “reincidentes” de outras películas de Hartley. E apresentam, no conjunto, um trabalho primoroso de interpretação, com destaque, naturalmente, para Parker Posey.

António Godinho, no jornal "O Interior", em 22 de Janeiro de 2009

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